Esse mês, o Nobel da Economia foi dado aos autores de “Como as nações falham?”, Daron Acemoglu e James A. Robinson, que argumentam que o papel das instituições como inclusivas ou extrativas é crítico no sucesso econômico dos países. De acordo com eles, um elemento chave que divide a atuação dessas instituições entre um tipo ou outro é a confiança, tanto entre as instituições em si quando entre as pessoas. O que isso tem a ver com entender gente, marcas e experiência do cliente? Tudo. Vem comigo!
Este é um dado que se repete em múltiplos estudos, inclusive neste que mostra nosso país como o de confiança interpessoal mais baixa da América Latina, que já é uma região abaixo da média mundial. Esse nível baixo de confiança é uma barreira enorme a muitas coisas que importam coletivamente como cidadania e civilidade. Fica mais fácil justificar atitudes extremamente individualistas se baseando no comportamento dos outros (“Mas todo mundo faz!”) e mesmo iniciativas focadas no bem coletivo podem ser interpretadas de forma cínica, por exemplo a ideia de que existe uma “indústria da multa”, porque sempre esperamos o pior dos outros.
Ainda que existam muitos fatores de origem cultural para essa característica, se a gente trata isso como definitivo e imutável, vira uma profecia autorealizadora e os mesmos problemas de sempre persistem. A melhor leitura possível para essa carência generalizada de confiança é que isso é uma grande oportunidade, para marcas em particular, já que o que é escasso sempre tem mais valor. Ter alguém com quem você pode contar tem muito valor se a expectativa geral é que todo mundo quer te passar para trás.
A Teoria dos Jogos ensina que a confiança é a base dos relacionamentos colaborativos e mutuamente benéficos. A mudança começa quando a gente assume o risco calculado de perder às vezes para ter a chance de criar uma relação ganha-ganha - a tal da coragem de ser vulnerável que a Brené Brown fala sobre. O melhor resultado só é possível com ações mutuamente benéficas - isso é matemático!
No mundo dos negócios, diversas práticas unilaterais (que minam a confiança!) estão passando por questionamentos pesados. A ideia da publicidade como interrupção e não como entretenimento é cada vez mais desafiada, inclusive em termos de eficácia. Os cancelamentos de serviços complicados e cheios de obstáculos, mesmo nos EUA, onde os processos em massa são mais comuns do que a regulação, podem estar com os dias contados.
Muitas dessas coisas só sobrevivem porque a gente mede só os resultados que podem nos beneficiar, não como isso afeta quem está na outra ponta. Quem faz prospecção massificada genérica olha a taxa de resposta, de abertura, mas não lê os posts diários de reclamação de executivos no Linkedin e não liga para o que acontece com os que não responderam - e esse silêncio pode querer dizer muita coisa! Quem complica o cancelamento segura o churn temporariamente, mas trata cliente como refém - quem pensa que isso não tem consequências está se iludindo.
Em ambientes de confiança baixa, nossa tendência natural de aversão à perda (a inclinação a temer perdas mais que valorizar ganhos, mesmo que de valores idênticos) fica exacerbada. A ânsia de "garantir o nosso" nos cega para oportunidades de ganho mútuo, especialmente quando esse ganho é um pouco mais difícil de medir e faz a ousadia parecer mau negócio - se a estratégia dominante é essa, será que agir de forma diferente não recompensa mais?
As políticas de devolução são um ótimo exemplo prático do equilíbrio entre colaborar e competir. Se são restritas e com obstáculos demais (ou seja, confiam de menos na outra ponta), inibem a compra. Se são abertas demais, existe o potencial de abuso por uma minoria que pode prejudicar a experiência para todos. Nos EUA, onde essas políticas são no geral muito mais abertas do que no Brasil, o que cria uma cultura de experimentação e de cross sell, o Walmart recentemente reavaliou sua política de um jeito muito inteligente, envolvendo um parceiro externo que rastreia e identifica com dados os devolvedores muito frequentes ou problemáticos e restringe as regras só para eles, permitindo que a política mais aberta seja mantida para todos os outros. Essa mesma ideia de não punir a maioria por comportamentos minoritários pode ser usada para inúmeras outras situações.
… o que não quer dizer dizer sim para tudo nem dar o benefício da dúvida para quem não merece. Confiança significa coisas diferentes em mercados e culturas diferentes (e aí precisamos entender caso a caso!), mas alguns princípios gerais que vêm da Teoria dos Jogos são aplicáveis a praticamente todo tipo de relacionamento, por exemplo:
Quer um exemplo brasileiro que tica literalmente todas essas caixas? O Nubank.
Começaram colaborando com atendimento 24/7 por chat assíncrono e sem espera, com pessoas realmente capazes de resolver os problemas dos clientes. Trabalharam uma comunicação clara e direta, sem 0800, musiquinha de espera, “estaremos verificando” nem gerente empurrando produto porcaria para ganhar comissão, com um estilo de atendimento informal e divertido, por isso encantador e altamente compartilhável. Sinalizaram compromisso custoso com cartão de crédito e depois conta corrente sem taxas de manutenção - duas novidades na época que foram copiadas por todos os entrantes que vieram depois e sempre foram uma fonte de receita importante para os bancos tradicionais. Mantiveram uma consistência fenomenal, não introduzindo novidades ou cobranças rápido demais nem retirando benefícios de forma que pudesse atrapalhar a excelência da experiência e a qualidade da entrega, mesmo quando o mercado criticou os resultados financeiros deles depois da abertura de capital.
Resultado: uma base de usuários que cresceu vertiginosamente por recomendações, economizando milhões de reais em comunicação, um NPS que é o melhor em consumo no mundo e um banco que virou o quarto maior do país em número de clientes, dando um chacoalhão em um setor concentrado e fechado, que achava que confiança para o cliente era agência com pé direito alto, ativos sob custódia e anos de fundação e se viu forçado a se reinventar. O próximo passo? Ajudar outras empresas a ganharem clientes. Agora que a confiança foi conquistada, eles podem emprestá-la para outros - ter um terceiro confiável intermediando também é uma estratégia importante para sinalizar confiabilidade na Teoria dos Jogos. São um exemplo excelente de que apostar no longo prazo e ceder com inteligência em um ambiente de confiança baixa é uma estratégia muito vencedora.
Bate-se muito na tecla da empatia como a palavra de ordem para tudo que tem a ver com experiência do cliente. Realmente é fundamental, mas não é o bastante.
Primeiro, porque a assimetria de poder entre uma marca e um indivíduo é muito grande - e quando a gente está do lado de dentro, a tendência é esquecermos disso. Segundo, porque presos em nossas vivências, viéses e suposições internas, somos as pessoas mais fáceis de ser enganadas por nós mesmos e é extremamente difícil ver com clareza como somos percebidos pelo outro (por isso que a gente faz terapia!), ainda mais na escala e complexidade que esse “outro” assume quando falamos de marcas. É exatamente por isso que um intermediário capaz de conseguir a confiança das duas partes e mediar esse relacionamento é fundamental para trazer essa clareza e furar nossas bolhas!
Você sabe mesmo o que confiança quer dizer no seu mercado?
Se você, como a gente, acredita que gente feliz e satisfeita é o motor de crescimento mais sustentável que existe, e quer pensar em formas de fazer isso acontecer por aí, fale com a gente - fazemos terapia de casal entre marcas e pessoas!